A Torta

Os anos 80 tinham ficado para trás. Os anos 90 apenas engatinhavam, mas traziam consigo o fim da adolescência e o início de uma nunca atingida maturidade. Em meio a essa atmosfera, embuídos de muita vontade e algumas idéias na cabeça, aqueles garotos, digo, jovens, buscavam seu lugar ao sol numa, digamos, joint-venture no ramo de video-produções.

O local era uma quase-chácara. Na verdade, tratava-se de uma das poucas que ainda não haviam sido engolidas pela expansão do mercado imobiliário, e configurava-se como um pequeno recanto verde em pleno centro da cidade (ou bastante próximo dele). O casarão era usado para fins exclusivamente comerciais. Aqueles jovens, embora não fossem os proprietários, utilizavam o espaço com ampla liberdade. No pouco tempo em que a joint-venture existiu, muitas risadas foram dadas…

Num sábado ensolarado, os jovens lá estavam, no casarão, a planejar, testar, fuçar… próximo da hora do almoço, a fome se instalou. Alguém sugeriu tortas. Sim, deliciosas e suculentas tortas caseiras que poderiam chegar as mãos e estômagos daqueles jovens famintos com uma simples chamada telefônica!

A ligação se completou. Menus esclarecidos, valores calculados, pedidos anotados… agora era esperar a entrega das tortas. Os jovens puseram-se em polvorosa ao ouvir o som da buzina da moto do entregador. Uma, duas, três sacolas em mãos e…

– Gelada? Como assim, gelada?

– É porra! A torta tá gelada!

– Gelada o caralhos, tá CONgelada!

– Pulta queos parola…

– Porra! Torta congelada?! Ah não…

– Ei, perai, quando eu pedi antes veio quentinha…

– E agora?

O casarão não tinha microondas. O fogão! Banho-maria… mas não havia panelas suficientes… o aquecimento seria em turnos… confusão… caras amarradas… desculpas esfarrapadas… e fome, muita fome…

As tortas naufragaram… o banho-maria… não sabe-se dizer se foi o vapor, os cristais de gelo, a incompetência culinária… mas as primeiras tortas alagaram-se… quentes, mais molhadas, demasiado molhadas… ódio… raiva… as restantes voaram feitos discos alienígenas em meio ao matagal.

No ponto de ônibus, todos me silêncio.

Aquele dia não comportava mais risadas…

2 Respostas to “A Torta”

  1. reche Says:

    Fome.
    Tristeza ficar com fome.
    Um dia tive frio e fome, longe de casa, esperando o ônibus, tinha acabado de jogar bola, estava moído, há 10km de casa.

  2. Lídice Says:

    A torta de pêras estava uma delícia!
    🙂

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