Posts Tagged ‘pílulas’

Entre o azul e o vermelho

15.abril.2010

Talvez uma das grandes questões em aberto na humanidade seja: o que é a realidade?

Muito se discutiu, se discute e se discutirá a respeito dessa curta indagação. Filósofos, pensadores, intelectuais, músicos e mesmo o matuto sentado a beira do caminho, mascando o talo de um capim qualquer ou a lavadeira que beira o ribeirão a clarear lençóis, todos, em algum momento ou outro, já se puseram a pensar sobre a natureza da realidade. É certo que o fazem por métodos diferentes, seja a filosofia, a mecânica quântica ou a vivência empírica o método utilizado, sempre se pode refletir, filosofar, teorizar ou, simplesmente, matutar a cerca da realidade.

O que é tudo isso? De onde?, para onde? e, mas incompreensível ainda, para que? são as modalidades de questionamento que povoam corações e mentes. A busca de propósitos, significados, justificativas para a realidade é o cerne de uma das mais cruéis demandas da humanidade. A experiência racional ou empírica da vida nos conduz a necessidade de entendimento. Meu grande amigo Aristóteles, certa vez, me disse que todo homem, por natureza, deseja conhecer. Tentamos conhecer, compreender, entender, decifrar, explicar, significar nossa existência. Isso, o questionamento, não ocorre a todo momento, mas eventualmente ocorre e, quando ocorre, caímos no “buraco fundo” da cantiga de roda.

Hoje é Domingo
Pede cachimbo
Cachimbo é de barro
Bate no jarro
O jarro é de ouro
Bate no touro
O touro é valente
Bate na gente
A gente é fraca
Cai no buraco
Buraco é fundo
Acabou-se o mundo

“Gente é fraca, cai no buraco / Buraco é fundo, acabou-se o mundo”. Aprendi essa cantiga quando criança. Não me lembro se com meus pais, avós ou professoras. O fato é que nada mais preciso para definir nossa relação com o entendimento sobre a realidade. Não questionar, não preocupar-se ou, simplesmente, ignorar a angústia que a existência nos acomete é uma opção. Vez ou outra somos levados à beira do buraco da dúvida e, frequentemente, tomamos as inúmeras pílulas azuis que nos remetem a normalidade e a aceitação de que tudo anda bem, são elas que nos afastam do buraco, vitaminando nosso espírito, dando-nos força e sustentando o mundo. A pílula azul nos vem nas mais variadas formas e não vou discuti-las aqui, afinal quem as consome com frequência, geralmente não está disposto a reconhecer seu vício e, menos ainda, a debatê-lo. Isso posto, vamos em frente.

Somos fracos. Gente é fraca. Somos pó. Do pó viemos e ao pó voltaremos, mas pó de estrelas. Somos nada. Essa fraqueza existencial que nos arremessa ao buraco da dúvida é a condição humana. Cair no buraco é aceitar a pílula vermelha e, com ela, acaba-se o mundo, a normalidade, o certo, o ideológico, afinal “tudo que é sólido se desmancha no ar”. Nossa fraqueza é nossa maior qualidade. Fraqueza que se mostra no princípio da incerteza. Fraqueza que está longe de ser covardia ou qualquer outro sinônimo de incapacidade. Forte, sólido, é aquele que não se move, não muda, que não é fraco. A fraqueza é mobilidade. A realidade é frágil, ainda bem!

Acabou-se o mundo. Com isso acaba-se a cantiga. Perceber a fragilidade da realidade é um acabar-se o mundo sólido, forte e de contornos bem definidos, que nos dá segurança, confiança e até um certo conforto… desde que se tenha à mão uma pilulazinha azul. Sem ela, o mundo entra em colapso e precisa ser reinventado, resignificado, reconstruído a todo momento, na dança frenética de Shiva.

Diferente da azul, a pilula vermelha é mutante, frágil como a mesma realidade nela contida. Nunca está disponível na mesma forma. Nunca se encontra no mesmo lugar. Efêmera e transitória, a pilula vermelha exige uma constante perseguição. Se na cantiga de roda o mundo se acaba no buraco (de minhoca) sem fundo, cada buraco é uma porta para um novo universo, uma nova realidade e uma nova oferta de pilulas… escolha a sua e boa viagem!