Todas as manhãs, ou quase todas, preparo o café da manhã. Básico. O café fica por conta da cafeteira elétrica, apenas coloco as medidas de pó e água e aperto o botão liga. Enquanto a cafeteira trabalha, vou à padaria, que fica cerca de 200m de casa. Compro pão. Sempre levo moedas, pois o pão nunca passa de R$ 1,30. Quando volto para casa, o café já está pronto. Arrumo a mesa e acordo a patroinha.
Durante o café, assisto ao jornal. Primeiro o Bom Dia São Paulo e depois o Bom Dia Brasil. A manchete de hoje era a violência nos trens do Rio de Janeiro. Pessoas sendo agredidas e até chicoteadas para “espreme-las” nos trens. Barbárie total. Entre uma mastigada e outra no meu pão com manteiga, ouço os comentários “lugar-comum” dos âncoras. Entre um gole e outro de café, vejo os relatos indignados da população e até o depoimento do operador de câmera que flagrou a violência. Os agressores eram funcionários da empresa que administra o sistema ferroviário e um policial militar. Os agredidos, a população a caminho do trabalho. Quando a reportagem terminou eu já estava no segundo pãozinho. Daí vem o futebol, hora em que eu desligo a tv.
Durante o trajeto para a universidade minha mente entreteve-se com a condição humana. Século XXI e pessoas são chicoteadas para “caber no trem”. Isso não me espanta. Assim como a Montaigne, o humano não me espanta mais. Já tem um tempo que a descrença no poder da nossa racionalidade habita o meu ser.
Paro no último farol antes de chegar a universidade. Absorto em meus devaneios, vejo uma cena inusitada. Um vira-latas, desses bem sem-vergonha, todo estrupiado vem pela calçada, desce a guia rebaixada bem em frente a faixa de pedestres, atravessa a avenida pela faixa, sobe a guia do outro lado e segue pela calçada feliz e contente na sua condição de vira-latas. Algum romântico diria: “Olha só o cão, mais civilizado que o homem!”. Eu não sou um romântico. Bom, na verdade sou, mas daqueles já um tanto quanto azedos.
O fato do cão vira-latas ter atravessado a rua na faixa de pedestres enquanto o sinal estava fechado para os motoristas não tem um grande significado. Não há uma mensagem por trás desse ato. Na verdade, eu nem teria notado o fato se o pendrive com os mp3 do Kiss estivesse no rádio, pois eu estaria cantando e batucando no volante feito o tonto que sou quando ouço Kiss no carro. E, se num exercício mental, fosse possível a um cão, vira-latas ou não, escolher entre a sua condição canina e a condição humana, aposto que o cão desejaria ser humano. Demasiado humano!